De onde vem a ideia de que terapia é algo lento?

Muitas vezes ouvi dizer que a terapia era um processo lento, parecia um certo consenso entre meus professores e colegas de faculdade. Esta ideia está associada ao fato de se tratar de um processo único de cada paciente e também ao fato de ser um trabalho que funciona de modo distinto do imediatismo da vida moderna. Estas ideias estão certas, mas não tocam no X da questão. Quando mudei o modo de pensar a terapia eu ainda morava no interior, estava em uma formação clínica em curso e já atuava profissionalmente num CAPS. Mas foi na minha própria terapia que eu percebi que esta ideia de que ela seria um processo lento era um esteriótipo.

A minha terapeuta na época era uma mulher que parecia ter por volta de uns 40 anos, usava psicanálise lacaniana, era uma das psicólogas mais respeitadas da cidade. O consultório tinha uma poltrona, uma divã e uma iluminação calorosa a meia luz. Ela ficava em silêncio a maior parte do tempo, mas quando falava costumava ser certeira. Às vezes na mesma sessão eu trazia questões associadas a diferentes aspectos da vida, trabalho e relacionamentos íntimos e etc. As pontuações dela pareciam enigmáticas, mas, ao mesmo tempo, faziam sentido em todos os aspectos, afinal era minha postura que estava no centro de tudo.

Certa vez, quando estava próximo de me mudar para Fortaleza ela fez a seguinte pontuação: “Me parece que você fica paralisado quando precisa tomar uma atitude que não pode reverter facilmente”. A sessão se encerrou ali, mas esta pontuação ficou ecoando sobre mim e certo dia enquanto caminhava para o trabalho me fez lembrar de um desejo antigo, o de fazer uma tatuagem. Tirei uma tarde de folga para fazê-la e a próxima sessão seria logo mais à noite. Cheguei com um plástico filme no braço direito protegendo a tatuagem, reparei que ela olhou e eu brinquei: “Acho que fiz algo que não se pode reverter facilmente”.

Agora o ponto mais importante e mais esclarecedor sobre a dinâmica da terapia: Eu nunca tinha mencionado o tópico “tatuagem” na terapia. Isto me faz perceber que a terapia é um processo abarca toda a dimensão de uma vida. Era como encarar uma encruzilhada, sufocar os desejos poderia consumir muita energia, ser sincero consigo e os reconhecer às vezes trazia algumas feridas narcísicas, furos na vaidade como “Você não é tão esperto e bem resolvido o quanto se acha”, ainda assim se resignar por vezes parecia algo triste e melancólico, bancar o desejo parecia arriscado… E isto poderia se aplicar a uma tatuagem, a relacionamentos, transições de carreira e etc. Afinal puxar e elaborar um tema trazia vários outros.

Não há uma previsão taxativa de resultados ou de duração, o que pode dar a impressão de que a terapia seja lenta, mas, na verdade, tem mais relação com a magnitude do processo. Podemos nos redescobrir e nos reinventar de modo surpreendente, mas colocar um prazo para isto é complicado… Ademais, também não temos previsão de até quando os efeitos da terapia vão durar, muitas das intervenções desta psicóloga ainda ecoaram em mim por muito tempo depois que eu encerrei a terapia ao mudar de cidade.

Dácio Pinheiro Carvalho Filho Psicólogo 11/10520

Fale comigo agora pelo WhatssApp